O HOMEM-MASSA - 1

Palavras de Ortega y Gasset extraídas do seu livro La Rebelión de las Masas, escrito na Espanha ao longo da década de 1920.
“Há um fato que, para o bem ou para o mal, é o mais importante na vida atual: a ascensão das massas ao completo poder social. Como as massas, por definição, não são capazes de dirigir sua própria existência, e menos ainda de dirigir a sociedade, esse fato implica que atualmente a Europa está sofrendo a crise mais grave que pode acometer aos povos, nações e culturas. Seu nome é a rebelião das massas.
“Massa é o conjunto de pessoas a que podemos denominar “homem médio”. Massa é quem não se valoriza, que se sente como todo o mundo e que se sente bem sentindo-se idêntico aos demais. POR “MASSA”, É CLARO, NÃO SE ENTENDE UMA CLASSE SOCIAL, MAS UM MODO DE SER QUE SURGE EM TODAS AS CLASSES SOCIAIS, que por isso mesmo representa o nosso tempo, sobre a qual predomina e impera.

O homem excelente é diferente do homem vulgar. Aquele é o que exige muito de si mesmo e este o que não exige nada; que se contenta com o que é e está satisfeito consigo mesmo.
“É característico do nosso tempo o predomínio da massa e do vulgar. Mesmo na vida intelectual, que por sua própria essência requer a qualificação, nota-se o triunfo dos pseudo-intelectuais desqualificados. A massa atropela tudo que é diferente, egrégio, individual, qualificado e seleto. Quem não é como todo o mundo, quem não pensa como todo o mundo corre o risco de ser eliminado.
“O poder público acha-se em mãos de um representante de massas. E o poder público, o governo, vive no dia-a-dia, sem projeto. Por isso, sua atuação se reduz a evitar o conflito de cada hora; não a resolvê-lo, mas a escapar dele, por todos os meios, ainda que à custa de criar maiores conflitos no momento seguinte. O homem-massa é o homem cuja vida carece de projeto e caminha ao acaso. Por isso não constrói nada, ainda que suas possibilidades, seus poderes sejam enormes. E este tipo de homem decide em nosso tempo.
“O século XIX também criou uma casta de homens – os homens-massa rebeldes – que põem em risco os princípios a que deveram a vida. Se este homem continua no poder e continua a decidir, a vida toda se contrairá. A atual abundância de possibilidades se converterá em escassez, em verdadeira decadência. Porque a rebelião das massas é uma e a mesma coisa que Rathenau chamava A INVASÃO VERTICAL DOS BÁRBAROS.
“O mundo em que o homem novo está desde o nascimento não o limita em nenhum sentido. Porque O HOMEM VULGAR, AO ENCONTRAR-SE COM ESSE MUNDO TÉCNICA E SOCIALMENTE TÃO PERFEITO, CRÊ QUE A NATUREZA O CRIOU, E NÃO PENSA NUNCA NOS ESFORÇOS GENIAIS DE INDIVÍDUOS EXCELENTES QUE O CRIARAM. Isto nos leva a apontar dois primeiros traços no homem-massa atual: a livre expansão de seus desejos vitais e a radical ingratidão com relação a tudo o que tornou possível a facilidade de sua existência. Minha tese é esta: a própria perfeição com que os séculos deram uma organização a certas ordens da vida é origem para que as massas beneficiárias não a considerem como organização, mas como natureza. Exigem da civilização seus benefícios como se fossem direitos naturais. Nos motins que a escassez provoca, as massas populares buscam o pão, mas o meio que empregam é destruir as padarias. Isto pode servir como símbolo do comportamento que, em proporções mais vastas e sutis, as massas atuais usam ante a civilização que as nutre.
Continua

3 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Prof. Lacombe:
Cumprimentos pelo texto. Eu acrescentaria apenas que, tão grave quanto o fenômeno que o sr. descreve, é o fato de que a massa considere a própria natureza como um privilégio "natural", isto é, um legado a que faz jus por inércia. E que pode ser explorada até a última gota, como se fosse uma caderneta de poupança.

Unknown disse...

Prezado Renato,
Agradeço sua resposta.
O texto que publiquei é um micro resumo da monumental obra La Rebelión de las Masas de Ortega y Gasset. No texto completo do livro o autor relata exatamente o que está dito no seu comentário.
É uma leitura fascinante. Como um filósofo na década de 1920 consegue visualizar uma situação que ainda é tão atual oitenta anos depois?
Cordialmente,
Francisco Lacombe

Jorge Ramiro disse...

Eu acredito que a modernidade nos lança novos pressupostos e novas formas de sociabilidade política. Eu tenho alguns restaurantes em vila madalena, não sou filósofo, mas essa é a minha opinião pessoal.