O HOMEM-MASSA – 2

Palavras de Ortega y Gasset extraídas do seu livro La Rebelión de las Masas, escrito na Espanha ao longo da década de 1920.

“O mundo organizado pelo século XIX, ao criar um homem novo, criou também nele formidáveis desejos e poderosos meios para satisfazê-los. Mas o abandonou a si mesmo. E o homem médio, seguindo sua índole natural, fechou-se dentro de si. Desta forma, a massa é ao mesmo tempo a mais forte da história e hermética em si mesma, incapaz de atender a nada nem ninguém. Por isso o homem-massa que aprendeu a usar os equipamentos da civilização ignora os princípios dessa civilização e não poderá governá-la.
“O HOMEM MÉDIO TEM “IDÉIAS” TAXATIVAS SOBRE QUALQUER ASSUNTO E RECUSA-SE A ESCUTAR. PARA QUE OUVIR SE JÁ TEM DENTRO DE SI O QUE NECESSITA? Não há questão de vida pública em que não intervenha, cego e surdo como é, impondo suas “opiniões”.

“O problema é que as “idéias” do homem médio não são propriamente idéias, nem a posse delas é cultura. A idéia é um xeque-mate à verdade, e quem quiser ter idéias precisa dispor-se a querer a verdade; precisa admitir uma série de normas para regular uma discussão. Essas normas são os princípios da cultura; não há cultura onde não há normas, onde não se acatam certas posições intelectuais a que referir-se na disputa. A barbárie é a ausência dessas normas, a ausência da cultura.
“O sindicalismo e o fascismo servem de exemplos. Sob essas formas aparece pela primeira vez um tipo de homem que não quer dar razões nem quer ter razão, mas que, simplesmente, decide impor suas opiniões. Eis aqui o novo: o direito a não ter razão, a razão da sem-razão. Em sua conduta política revela-se a estrutura da alma nova da maneira mais crua e contundente, mas a chave está no hermetismo intelectual. O homem médio encontra-se com “ideais” dentro de si, mas carece da capacidade de idear. Quer opinar, mas não quer aceitar as condições e pressupostos para opinar.
“O HOMEM-MASSA NÃO ACEITA A DISCUSSÃO E INSTINTIVAMENTE REPUDIA QUALQUER NORMA EXTERNA QUE A REGULE. Renuncia-se à convivência de cultura, que é uma convivência sob normas, e retrocede-se a uma convivência bárbara.
“A forma que na política representou a mais alta vontade de convivência é a democracia liberal. Ela leva ao extremo a vontade de contar com o próximo. O liberalismo é o princípio de direito político segundo o qual o poder público, não obstante ser onipotente, se autolimita e busca deixar espaço no Estado em que ele impera para que possam viver os que nem pensam nem sentem como ele, quer dizer, como a maioria. O liberalismo é a suprema generosidade: é o direito que a maioria outorga à minoria e o mais nobre grito que soou no planeta. Proclama a decisão de conviver com o inimigo. Mas cada vez mais se torna difícil essa convivência. A massa não deseja a convivência com o que não é ela. Odeia de morte o que não é ela.
Continua

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